Kleshas: As raízes do sofrimento
Por Vanessa Malagó
Em nosso artigo anterior sobre os Yoga
Sutras (Sofrimento e Libertação), vimos o que Patanjali nos fala sobre o sofrimento, experiência que é
comum a todos os seres humanos.
Longe de ser uma visão pessimista de mundo, essa reflexão sobre o
sofrimento tem o intuito de nos despertar para sua existência, fornecendo-nos
ferramentas para compreendê-lo e uma via prática para superá-lo. Entender as
fontes da dor é o primeiro passo a fim de eliminar o sofrimento.
Em sânscrito a palavra que usamos para nos referir à causa do sofrimento é “klesha”, que pode ser interpretado também como aflição ou obstáculo. Os kleshas são impedimentos dentro de nós mesmos. Nas palavras de Annie Carpenter “os kleshas fazem da mente um campo minado para a frustração, o apego, a fantasia, o medo e o desapontamento”.
Em sânscrito a palavra que usamos para nos referir à causa do sofrimento é “klesha”, que pode ser interpretado também como aflição ou obstáculo. Os kleshas são impedimentos dentro de nós mesmos. Nas palavras de Annie Carpenter “os kleshas fazem da mente um campo minado para a frustração, o apego, a fantasia, o medo e o desapontamento”.
Patanjali
nos apresenta cinco fatores que são fundamentais na atividade psicológica
humana e que são os causadores da dor. O
primeiro deles é Avidya, traduzido na maioria das vezes como ignorância, mas não no sentido comum de falta de
conhecimento. A ignorância a que se refere Avidya
é a ignorância quanto a nossa verdadeira natureza. Avidya é tomar aquilo que é transitório, como eterno, aquilo que é impuro
como puro, aquilo que é irreal como real.
Para o yoga, essa parte de cada um de
nós que é eterna e imutável é conhecida como purusha, cit , atman ou drashta. Essas palavras traduzem conceitos como espírito, consciência,
alma, aquele que vê através da mente. Avidya é o erro
fundamental que resulta em todo o sofrimento humano: confundir os conteúdos da
mente com a consciência.
Em relação a isso Rohit Mehta (1995)
comenta: “No decorrer do tempo, o homem constrói uma natureza adquirida. Esta é
o produto das reações e resistências da mente. A natureza adquirida assume tal
importância que se sobrepõe completamente à natureza original. Na verdade,
conhecemos apenas a natureza adquirida. Não é preciso dizer que ela é a
natureza do hábito”.
E complementa: “Considerar a natureza
do hábito como a original é Avidya ou
ignorância. O adquirido obviamente é impuro, pois é feito de acréscimos. É o
produto das acumulações psicológicas e do tempo. Considerar algo que foi
formado pelo tempo como Eterno é incorrer na maior das ilusões.”
Asmita é o segundo klesha apontado por Patanjali. A palavra
Asmita é derivada de asmi, que
significa literalmente “eu sou”. Asmita
pode ser traduzido como o senso do eu, individualidade.
Segundo Kate Holcombe (2012) “Asmita acontece quando você se identifica
com as partes de si que mudam – da sua mente ao seu corpo, aparência, ou
emprego – em vez de se identificar com o lugar quieto e perene dentro de si. É
quando você acredita erroneamente que sua forma física, trabalho ou sentimentos
sejam o que você é. Como se essas coisas o definissem, em vez de
reconhecer que seu verdadeiro eu – quem você é no seu âmago – é imutável”.
Ela complementa: “O
desafio, e a lição desse sutra, é que mesmo que seja ótimo apreciar e valorizar
todos esses aspectos de si mesmo, se você se identifica muito de perto com os
aspectos mutáveis de si, você se expõe a decepção e sofrimento.”
O terceiro e quarto klesha são como duas faces da mesma
moeda. São eles Raga e Dvesa. Raga pode ser traduzido como atração ou apego e Dvesa, como repulsão ou aversão.
Raga acontece sempre que há um objeto de
prazer e a mente anseia por ele, desejando ter essa experiência prazerosa mais
e mais vezes. Raga nos mantém
insatisfeitos mesmo quando o que queremos está diante de nós, quer pela
tentativa de retê-lo ou pelo impulso de querer mais e mais. Quando não podemos ter algo que desejamos muito, ou pior ainda,
quando isso é tirado de nós, Raga pode causar inquietação
e desespero. Pode ser o caso por exemplo, de uma relação amorosa que
se dissolve ou sofrimento de uma lesão
bem no momento em que você está motivado a ir para a academia todos os dias.
Dvesa
é a repulsão natural que se sente em relação a qualquer coisa que represente
uma fonte de dor ou infelicidade para nós. Os dois são expressões do princípio
do prazer, pois evitar a dor é também parte da busca de prazer.
Tanto Raga como Dvesa são
respostas emocionais que alteram a capacidade de ver o mundo ao nosso redor com
clareza, pois nos mantém constantemente presos às nossas experiências passadas.
Ao longo do tempo vamos nos definindo por essa coleção de experiências,
construindo uma identidade que reflete todas esses apegos e aversões.
“É reconhecido o condicionamento da
mente, que acontece quando estamos sob o domínio de qualquer atração ou
repulsão muito forte, mas poucas pessoas têm qualquer ideia da distorção produzida
em nossa vida por atrações e repulsões menos relevantes, ou o quanto nossa vida
é condicionada por elas.” (Taimini, 2002)
Ao aplicar essas emoções de experiências passadas para compreender o momento presente colocamos um filtro sobre a nossa capacidade de ver as coisas como elas realmente são. Sem um esforço ativo, esses filtros podem se tornar cada vez mais espessos, alterarando nosso juízo e nossa capacidade de responder com clareza.
Ao aplicar essas emoções de experiências passadas para compreender o momento presente colocamos um filtro sobre a nossa capacidade de ver as coisas como elas realmente são. Sem um esforço ativo, esses filtros podem se tornar cada vez mais espessos, alterarando nosso juízo e nossa capacidade de responder com clareza.
O ciclo das aflições
se fecha com Abhinivesha, o forte
desejo de viver ou o medo da morte, que como afirma Patanjali, domina até mesmo
os mais sábios. Esse medo da morte não é necessariamente o medo da morte
física, mas o medo da mudança, da impermanência, que é uma constante em nossas
vidas. Como afirma Rohit
Mehta (1995) “Sentimo-nos seguros apenas no ambiente da continuidade; Abhinivesha é assim, uma busca de
segurança .” Ele prossegue: “A vida é eternamente dinâmica e, portanto, sempre
descontínua. Abhinivesha é um esforço
para colocar o dinâmico em um estrutura estática; é um esforço para conferir
uma qualidade de continuidade àquilo que é descontínuo.”
O desafio
envolvido em Abhinivesha é o de
aceitar a inevitabilidade da impermanência. Essa aceitação pode ser praticada
enfrentando com leveza as pequenas mortes que lidamos no dia-a-dia. Pode ser na
maneira com que lidamos com nosso próprio envelhecimento ou na forma que
recebemos as mudanças que surgem em nossa vida.
Nas palavras de Rohit Mehta (1995)
“Aquele que não descobre momentos de morte no processo da vida, não sabe o que
é viver”.
Tendo examinado esses cinco kleshas podemos perceber o quão
profundamente eles se entrelaçam, formando um círculo vicioso. Do desejo de
continuidade surgem as atrações e repulsões, mecanismos de defesa que buscam
proteger aquilo que é o resultado das acumulações do tempo. Dessas experiências
e acumulações, criamos uma identidade, que reflete todos esses apegos e
repulsas. Assim, a visão da nossa real natureza vai ficando cada vez mais
ofuscada. Essa falsa identificação reforça ainda mais o desejo de continuidade,
iniciando-se novamente o ciclo.
Como você se sente
quando algo que tinha planejando não saiu exatamente como gostaria? Por que
você se sente triste se alguém fala algo ruim sobre você? Por que você fica tão
frustrado quando perde algo que desejava muito?
A auto-observação e a
reflexão sobre situações como essas, que acontecem em nossa vida diária,
permitem que gradualmente nos tornemos mais conscientes dos kleshas e de como operam. Descobrir as
raízes do sofrimento é o primeiro passo para nos libertar.
Abordaremos em nossos próximos artigos
como Patanjali propõe que rompamos esse ciclo. Enquanto isso, convidamos você a
refletir sobre essas questões. Se você passou por alguma situação dolorosa
recente, tente se lembrar de como reagiu. Seja nas suas práticas de meditação
ou durante suas atividades diárias, observe em que momentos você se encontra
apegado ao passado ou ao futuro. Você pode também pegar caneta e papel e
experimentar escrever sobre suas preferências e aversões, ou relacionar
aspectos sobre si mesmo os quais você valoriza.
Boas práticas e até o próximo artigo!
Referências:
- CARPENTER, Annie – The Kleshas: Working with the Obstacles”,
Aula gravada em 2012, disponível em:http://wanderlust.com/journal/free-yoga-class-annie-carpenter-kleshas-working-obstacles/
- HOLCOMBE, Kate – Artigo: Mistaken Identity , Yoga Journal - Nov/2012,
Versão em português disponível em: http://www.yogajournal.com.br/sabedoria/real-identidade/
- MEHTA, Rohit – Yoga a Arte da Integração – 1ª. Ed., Editora Teosófica
– 1995
- TAIMNI – A ciência do Yoga (Comentários sobre os Yoga-Sutras de
Patanjali à luz do Pensamento Moderno) – 2ª. Ed., - 2001