Carta ao Meditador Iniciante
Por
Sally Kempton*
Se
eu tivesse de lhe dizer somente uma coisa sobre meditação, seria: ela é seu
próprio experimento, realizado dentro do laboratório de seu corpo e mente. Sua
prática será influenciada por professores e guiada pelas experiências que os
maiores descobridores da meditação nos deixaram. Mas, ainda assim, no final, a
sua prática toma forma própria.
Levou
um tempo até eu me dar conta disso. Na verdade, a principal razão para ter
começado a meditar foi para poupar as outras pessoas de ter de esperar tanto
tempo assim como eu. Quando seguimos algumas regras básicas, conseguimos
estabelecer a disciplina necessária para nos sentar de forma confortável,
encontrar o foco interior e manter a mente livre de distrações. Com a prática
regular, passamos a vivenciar períodos de quietude, e até de contentamento. Percebemos que a meditação é, na verdade, um estado natural
que surge dentro de nós se dermos tempo ao tempo. E descobrimos alguns outros
benefícios da meditação, como nos manter centrados em períodos de turbulência e
pensar em soluções criativas para problemas presentes. Descobrimos que mesmo
quando achamos que não tivemos uma meditação “boa”, ainda assim o resto do
nosso dia fica mais calmo e energizado.
Ao
mesmo tempo, questões sutis começam a aparecer. Podemos nos pegar atados às
mesmas prisões interiores e nos perguntar como nos livrar delas. Podemos achar
que nossa prática caiu na rotina e nos perguntar como torná-la mais
interessante. Podemos achar que nosso coração está bloqueado ou que
simplesmente desejamos mais empolgação em nosso ato de meditar. Aí é que
devemos passar a brincar um pouco com a meditação, a experimentar, a ficar mais
criativos. É importante dar-se a permissão para tanto. Caso contrário, a
prática começa a ficar estagnada.
O sucesso da meditação depende de polos equilibrados:
manter o foco e deixar fluir, organização e liberdade. É preciso ter regras
para a postura correta, a concentração, a consciência da respiração, o
autoquestionamento. Mas também é preciso saber quando é a hora de deixar as
regras de lado e seguir os sinais que surgem da própria consciência. E isso
requer criatividade, abertura e discernimento.
Aqui
eu ofereço alguns princípios essenciais para navegar por esse paradoxo e
encontrar a melhor prática de meditação. Alguns princípios são básicos; outros
são estruturas mais sutis.
1. SINTA-SE CONFORTÁVEL
A
primeira coisa para uma meditação bem-sucedida é sentir-se confortável o
suficiente para meditar durante pelo menos de meia a uma hora. Use alguns
acessórios para dar suporte ao quadril e joelhos. Se estiver no chão,
assegure-se de que o quadril fique mais alto que os joelhos para evitar que a
coluna se curve. Se não se sentir confortável no chão, sente-se em uma cadeira.
Se sentir dor nas costas, sente-se contra uma parede. O objetivo é acomodar o
corpo de forma a poder dar atenção ao interior.
É
importante escolher uma prática e segui-la diariamente. Isso consolida uma
rotina em nossa consciência e esta se transforma em um caminho para as camadas
mais profundas de nossa existência, o que é fundamental para quem está se
iniciando na meditação. Até mesmo quem medita há tempos tira proveito de ter
uma rotina que sinalize à mente que é hora de se voltar para dentro. Comece com
10 minutos e vá acrescentando um minuto por dia até que a prática chegue a meia
hora. Se deseja uma meditação mais intensa, 45 minutos a uma hora são
necessários.
2. SUA PRÁTICA DIÁRIA
Vivemos
em um mundo tão rico espiritualmente falando, com tantas opções de técnicas de
meditação, que poderíamos passar o resto da vida experimentando todas. Por
exemplo, vamos a um retiro e lá nos é ensinada uma técnica de meditação, como
a repetição de um mantra ou algo como “quem sou eu?”. Enquanto estamos no
retiro mantemos a prática intensa e até praticamos em casa por um tempo. Depois
vamos a uma aula de Yoga e lá nos ensinam alguma outra técnica, e assim segue
até que achamos que já sabemos umas dez ou 20 técnicas diferentes. Mas tudo
fica muito no nível superficial. É como se furássemos vários poços, mas nunca
cavássemos fundo o suficiente para encontrar água. Logo, como saber qual é a
nossa prática ideal? Se não temos um professor, o melhor é experimentar várias
práticas, dando tempo ao tempo e observando seus resultados. Quando sentir que
uma delas é capaz de ativar o fluxo de meditação, é porque ela está
funcionando.
A
maior parte das técnicas de meditação pode ser classificada em cinco
categorias básicas: consciência plena, mantra, consciência interior,
visualização e autoquestionamento. A meditação na respiração é na verdade uma
megacategoria, uma vez que todas as formas de meditação envolvem a atenção à
respiração. Algumas considerações são importantes
na hora de escolher a prática. Primeiro, ela deve ser atraente à sua mente,
captando sua atenção com prazer de forma a poder atravessar as primeiras
camadas superficiais da consciência. Se uma prática não traz prazer, não é a
certa, pois não nos mantemos fiel à ela. Segundo, a prática diária deve ser
naturalmente de acordo com o que somos. Se não somos uma pessoa visual,
certamente não curtiremos uma meditação baseada em visualizações. E, por
último, a prática de meditação deve ser capaz de começar a aquietar a nossa
mente e focar-se no interior, na consciência mais profunda, no campo que reside
por detrás de nossos pensamentos e emoções.
3. NATURAL COMO RESPIRAR
A
consciência plena, que pode ser definida simplesmente como prestar atenção – à
respiração, ao corpo, ao redor – é uma das meditações mais praticadas. A
consciência plena na respiração é a técnica mais básica e natural, uma vez que
ao seguirmos o fluxo da respiração, automaticamente voltamos a atenção para o
interior.
Observe
o encher e esvaziar dos pulmões, como o ar entra fresco quando inspiramos e
como ele sai das narinas levemente aquecido. Quando surgirem pensamentos,
simplesmente volte a atenção para a respiração. Outra forma de meditar sobre a
respiração é observar alguma parte do corpo, como o peito, o diafragma ou o
abdome.
4. ESSE É MEU MANTRA
A
prática de meditação com mantras nos dá um ponto de foco para a mente – um
substituto para o diálogo mental que travamos. O mantra correto possui uma
sensação de conforto que nos permite facilmente focar no interior. O melhor é
receber um mantra de um professor, mas o mais conhecido de todos é o Om.
Sente-se
em silêncio e inspire lentamente enquanto pensa na verbalização do Om. Expire
lentamente também pensando na verbalização do mantra. Sinta a energia e a
vibração da palavra e a forma como ela impacta no corpo sutil. Se outros
pensamentos surgirem, traga a atenção ao mantra novamente. Deixe que a mente
se incorpore ao mantra.
5. VOLTE-SE PARA O
CENTRO
Outra
forma tradicional de permitir que a mente se volte para dentro é focar em um
dos centros espirituais sutis, geralmente o coração ou o terceiro olho. A
prática de focar no coração leva a consciência à base das emoções. Sente-se e
leve a atenção ao centro do peito, atrás da caixa torácica. Deixe a respiração
fluir para dentro e para fora do centro do peito, tocando o coração interno.
Imagine que há uma abertura no peito e que a respiração passa por ali
horizontalmente.
Enquanto
foca a atenção no centro do coração, escolha uma palavra que ajude a voltar-se
para o interior. Ela deve passar uma sensação de segurança, de conexão com o
amor, o divino. Boas opções são as palavras “confiança” e “amor”. Pense na
palavra nas expirações.
6. COM O OLHAR DA MENTE
Se
você é uma pessoa visual, é uma boa ideia ter um elemento visual em sua prática
de meditação. Geralmente recomendo a visualização clássica, em que imaginamos
uma chama no centro da cabeça, no terceiro olho. Esse ponto, também chamado de ajna
chakra, fica entre as sobrancelhas. Sente-se em silêncio e traga a atenção
para o terceiro olho. Inspire, sentindo a respiração indo até esse ponto.
Expire e imagine o ar saindo desse ponto, indo em direção às narinas. Imagine
uma chama dourada, do tamanho do polegar, nesse ponto do terceiro olho. A cada
respiração, quando o ar “toca” na chama, a faz brilhar ainda mais.
7. O LOCAL ALÉM DOS PENSAMENTOS
Um
dos grandes professores da tradição védica, Shankara, definiu o verdadeiro Ser
como “a testemunha da mente”. A prática de autoquestionamento tem como
objetivo ir além dos conceitos do Ser e levar a atenção para a real testemunha
do interior. Essa prática pode levar ao contato direto com nossa própria pura
consciência, que é o nosso real ser.
Comece
focando na respiração, fresca ao inspirar e aquecida ao expirar. Quando a mente
começar a vaguear, pergunte-se “Quem sabe o que estou pensando?”. Espere e
veja qual resposta surge da pergunta. Logo perceberá que de fato existe um
“conhecedor”, uma consciência impessoal que observa os pensamentos conforme
eles surgem. Pouco a pouco, veja se consegue manter-se presente a essa
consciência, a testemunha de sua mente.
8. LIDANDO COM AS DISTRAÇÕES
Seja qual for a prática escolhida, é necessário ter estratégias
para lidar com os pensamentos que surgem durante a meditação. A forma mais
simples é voltar a atenção para o foco inicial. Assim que a mente começar a
vaguear, lembre-se de levar a atenção de volta ao mantra, respiração ou
qualquer outro objeto de atenção com o qual esteja trabalhando. Essas
distrações são normais e acontecem com todos. O foco que praticamos durante a
meditação melhora a nossa habilidade de realizar uma tarefa, seja ela qual for.
Outra
tática para lidar com as distrações é observar os pensamentos chegarem e
deixá-los partir, sem se apegar a eles. Mesmo que pareça estranho, a observação
dos pensamentos que brotam – sem seguir o fluxo do pensamento – irá dissipar o
pensamento por si mesmo. Todas as vezes que se pegar pensando em algo, diga a
si mesmo: “pensando”. Outra forma de tirar nossa identificação com os
pensamentos é imaginá-los como nuvens no céu e pensar que elas estão se
afastando.
9. SEM TÉDIO
Assim
que se sentir confortável com a meditação, passe a realizar a prática de
formas mais criativas, trabalhando com diferentes abordagens de forma a nunca
deixá-la tediosa. Por exemplo, na prática de respiração, pense: “Eu estou sendo
respirado pelo Universo”, ou inspire e expire pensando: “Deixe ir” ou “Eu sou
amado”. Pode também praticar seu mantra com o foco na energia que sua vibração
cria no corpo.
Quando
começar a ir mais a fundo na prática diária, começará a perceber que há
mudanças energéticas em cada meditação. Pode sentir a energia mais fraca, ou
sentir como se estivesse afundando, pegando no sono ou em um estado mais
profundo que o sono. Pode sentir algo no topo da cabeça ou algum formigamento
na pele. Pode vir a sentir alguma expansão no peito. Podem aparecer cores ou
visões de pessoas ou lugares.
Essas
alterações são convites para ir para um nível mais profundo, indo para um
estado mais expansivo do interior. Quando isso ocorrer, veja se consegue ir com
o fluxo, indo além da técnica e passando a um estado meditativo. É aí que a
meditação deixa de ser uma rotina e passa a ser uma forma criativa de
exploração do interior.
10. A ARTE DO EQUILÍBRIO
Uma
ou duas vezes por semana, tente alguma coisa diferente da prática diária. Pode
ser uma das práticas que aprendeu durante um retiro, por exemplo. Isso faz com
que possamos explorar partes que acabam não sendo trabalhadas durante a
prática regular.
11. MANTENDO O RITMO
Algumas
vezes você vivenciará momentos de grande prazer e profundidade na prática de
meditação. Em outros dias poderá vivenciar momentos de tédio e cansaço.
Mantenha-se firme lembrando que a meditação é uma jornada que nos leva a diferentes
níveis de emoções. Isso faz parte do processo de purificação da meditação – um
processo que às vezes é chamado de “fogueira samskárica”, durante o qual nossas
tendências arraigadas surgem para então serem liberadas. Deixe que elas apareçam
sem se ater a elas ou sem tentar removê-las. Camadas de “quinquilharias” estão
sendo removidas de seu sistema!
As pessoas que mais se beneficiam da meditação são
aquelas fiéis à prática seja qual for o momento da vida. Percebem que quando
nos sentamos para meditar, estamos promovendo um encontro entre a mente e o
coração. O campo de exploração de quem medita é o próprio ser. No entanto, a
grande surpresa que o espera nessa jornada é o reconhecimento de que, por meio
do conhecimento do ser interior, finalmente conheceremos a plenitude, a
vastidão do Ser universal. Todo mundo sabe que a gota está contida no oceano,
escreveu o poeta Kabir, mas poucos sabem que o oceano está contido na gota.
Continue meditando, e você descobrirá.
*Sally Kempton é
jornalista, professora de filosofia meditação e autora de O Coração da
Meditação. Para saber mais: sallykempton.com.
Esse artigo foi publicado originalmente na
Revista Yoga Journal, em setembro de 2010. A tradução é de Cacau Peres. Clique aqui para ver o artigo original.