15 de abr. de 2015

Carta ao Meditador Iniciante

Por Sally Kempton*
 
Se eu tivesse de lhe dizer somente uma coisa sobre medita­ção, seria: ela é seu próprio experimento, realizado dentro do laboratório de seu corpo e mente. Sua prática será influenciada por professores e guiada pelas experiências que os maiores descobridores da meditação nos deixaram. Mas, ainda assim, no final, a sua prática toma forma própria.

Levou um tempo até eu me dar conta disso. Na verdade, a principal razão para ter começado a meditar foi para pou­par as outras pessoas de ter de esperar tanto tempo assim como eu. Quando seguimos algumas regras básicas, conse­guimos estabelecer a disciplina necessária para nos sentar de forma confortável, encontrar o foco interior e manter a mente livre de distrações. Com a prática regular, passamos a vivenciar períodos de quietude, e até de contentamento. Percebemos que a meditação é, na verdade, um estado na­tural que surge dentro de nós se dermos tempo ao tempo. E descobrimos alguns outros benefícios da meditação, como nos manter centrados em períodos de turbulência e pensar em soluções criativas para problemas presentes. Descobri­mos que mesmo quando achamos que não tivemos uma me­ditação “boa”, ainda assim o resto do nosso dia fica mais calmo e energizado.

Ao mesmo tempo, questões sutis começam a aparecer. Podemos nos pegar atados às mesmas prisões interiores e nos perguntar como nos livrar delas. Podemos achar que nossa prática caiu na rotina e nos perguntar como torná-la mais interessante. Podemos achar que nosso coração está bloqueado ou que simplesmente desejamos mais empolgação em nosso ato de meditar. Aí é que devemos passar a brincar um pouco com a meditação, a experimentar, a ficar mais criativos. É importante dar-se a permissão para tanto. Caso contrário, a prática começa a ficar estagnada.

O sucesso da meditação depende de polos equilibrados: manter o foco e deixar fluir, organização e liberdade. É preciso ter regras para a postura correta, a concentração, a consciência da respiração, o autoquestionamento. Mas tam­bém é preciso saber quando é a hora de deixar as regras de lado e seguir os sinais que surgem da própria consciência. E isso requer criatividade, abertura e discernimento.

Aqui eu ofereço alguns princípios essenciais para navegar por esse paradoxo e encontrar a melhor prática de medi­tação. Alguns princípios são básicos; outros são estruturas mais sutis.

1. SINTA-SE CONFORTÁVEL
A primeira coisa para uma meditação bem-sucedida é sen­tir-se confortável o suficiente para meditar durante pelo menos de meia a uma hora. Use alguns acessórios para dar suporte ao quadril e joelhos. Se estiver no chão, assegure-se de que o quadril fique mais alto que os joelhos para evitar que a coluna se curve. Se não se sentir confortável no chão, sente-se em uma cadeira. Se sentir dor nas costas, sente-se contra uma parede. O objetivo é acomodar o corpo de for­ma a poder dar atenção ao interior.
É importante escolher uma prática e segui-la diariamente. Isso consolida uma rotina em nossa consciência e esta se trans­forma em um caminho para as camadas mais profundas de nossa existência, o que é fundamental para quem está se iniciando na meditação. Até mesmo quem medita há tempos tira proveito de ter uma rotina que sinalize à mente que é hora de se voltar para dentro. Comece com 10 minutos e vá acrescentando um minuto por dia até que a prática chegue a meia hora. Se deseja uma medi­tação mais intensa, 45 minutos a uma hora são necessários.

2. SUA PRÁTICA DIÁRIA
Vivemos em um mundo tão rico espiritualmente falando, com tantas opções de técnicas de meditação, que poderíamos pas­sar o resto da vida experimentando todas. Por exemplo, va­mos a um retiro e lá nos é ensinada uma técnica de meditação, como a repetição de um mantra ou algo como “quem sou eu?”. Enquanto estamos no retiro mantemos a prática intensa e até praticamos em casa por um tempo. Depois vamos a uma aula de Yoga e lá nos ensinam alguma outra técnica, e assim segue até que achamos que já sabemos umas dez ou 20 técnicas diferentes. Mas tudo fica muito no nível superficial. É como se furássemos vários poços, mas nunca cavássemos fundo o suficiente para encontrar água. Logo, como saber qual é a nossa prática ideal? Se não temos um professor, o melhor é experimentar várias práticas, dando tempo ao tempo e obser­vando seus resultados. Quando sentir que uma delas é capaz de ativar o fluxo de meditação, é porque ela está funcionando.
A maior parte das técnicas de meditação pode ser classi­ficada em cinco categorias básicas: consciência plena, man­tra, consciência interior, visualização e autoquestionamento. A meditação na respiração é na verdade uma megacategoria, uma vez que todas as formas de meditação envolvem a aten­ção à respiração. Algumas considerações são importantes na hora de escolher a prática. Primeiro, ela deve ser atraente à sua mente, captando sua atenção com prazer de forma a po­der atravessar as primeiras camadas superficiais da consciên­cia. Se uma prática não traz prazer, não é a certa, pois não nos mantemos fiel à ela. Segundo, a prática diária deve ser naturalmente de acordo com o que somos. Se não somos uma pessoa visual, certamente não curtiremos uma meditação ba­seada em visualizações. E, por último, a prática de meditação deve ser capaz de começar a aquietar a nossa mente e focar-se no interior, na consciência mais profunda, no campo que resi­de por detrás de nossos pensamentos e emoções.

3. NATURAL COMO RESPIRAR
A consciência plena, que pode ser definida simplesmente como prestar atenção – à respiração, ao corpo, ao redor – é uma das meditações mais praticadas. A consciência plena na respiração é a técnica mais básica e natural, uma vez que ao seguirmos o fluxo da respiração, automatica­mente voltamos a atenção para o interior.
Observe o encher e esvaziar dos pulmões, como o ar entra fresco quando inspiramos e como ele sai das narinas levemente aquecido. Quando surgirem pen­samentos, simplesmente volte a atenção para a respi­ração. Outra forma de meditar sobre a respiração é observar alguma parte do corpo, como o peito, o dia­fragma ou o abdome.

4. ESSE É MEU MANTRA
A prática de meditação com mantras nos dá um ponto de foco para a mente – um substituto para o diálogo mental que travamos. O mantra correto possui uma sensação de conforto que nos per­mite facilmente focar no interior. O melhor é receber um mantra de um professor, mas o mais conhecido de todos é o Om.
Sente-se em silêncio e inspire len­tamente enquanto pensa na verba­lização do Om. Expire lentamente também pensando na verbalização do mantra. Sinta a energia e a vibração da palavra e a forma como ela impacta no corpo sutil. Se outros pensamentos surgi­rem, traga a atenção ao mantra novamente. Deixe que a mente se incorpore ao mantra.

5. VOLTE-SE PARA O CENTRO
Outra forma tradicional de permitir que a mente se volte para dentro é focar em um dos centros espiritu­ais sutis, geralmente o coração ou o terceiro olho. A prática de focar no coração leva a consciência à base das emoções. Sente-se e leve a atenção ao centro do peito, atrás da caixa torácica. Deixe a respiração fluir para dentro e para fora do centro do peito, tocando o coração interno. Imagine que há uma abertura no peito e que a respiração passa por ali horizontalmente.
Enquanto foca a atenção no centro do coração, es­colha uma palavra que ajude a voltar-se para o interior. Ela deve passar uma sensação de segurança, de cone­xão com o amor, o divino. Boas opções são as palavras “confiança” e “amor”. Pense na palavra nas expirações.

6. COM O OLHAR DA MENTE
Se você é uma pessoa visual, é uma boa ideia ter um elemento visual em sua prática de meditação. Geral­mente recomendo a visualização clássica, em que ima­ginamos uma chama no centro da cabeça, no terceiro olho. Esse ponto, também chamado de ajna chakra, fica entre as sobrancelhas. Sente-se em silêncio e traga a atenção para o terceiro olho. Inspire, sentindo a respiração indo até esse ponto. Expire e imagine o ar saindo desse ponto, indo em direção às narinas. Imagine uma chama dourada, do tamanho do pole­gar, nesse ponto do terceiro olho. A cada respiração, quando o ar “toca” na chama, a faz brilhar ainda mais.

7. O LOCAL ALÉM DOS PENSAMENTOS
Um dos grandes professores da tradição védica, Shankara, definiu o verdadeiro Ser como “a testemu­nha da mente”. A prática de autoquestionamento tem como objetivo ir além dos conceitos do Ser e levar a atenção para a real testemunha do interior. Essa prática pode levar ao contato direto com nossa própria pura consciência, que é o nosso real ser.
Comece focando na respiração, fresca ao inspirar e aquecida ao expirar. Quando a mente começar a vague­ar, pergunte-se “Quem sabe o que estou pensando?”. Espere e veja qual resposta surge da pergunta. Logo perceberá que de fato existe um “conhecedor”, uma consciência impessoal que observa os pensamentos conforme eles surgem. Pouco a pouco, veja se consegue manter-se presente a essa consciência, a testemunha de sua mente.

8. LIDANDO COM AS DISTRAÇÕES
Seja qual for a prática escolhida, é necessário ter es­tratégias para lidar com os pensamentos que surgem durante a meditação. A forma mais simples é voltar a atenção para o foco inicial. Assim que a mente co­meçar a vaguear, lembre-se de levar a atenção de volta ao mantra, respiração ou qualquer outro objeto de atenção com o qual esteja trabalhando. Essas distrações são normais e acontecem com todos. O foco que praticamos durante a meditação melhora a nossa habilidade de realizar uma tarefa, seja ela qual for.
Outra tática para lidar com as distrações é observar os pensamentos chegarem e deixá-los partir, sem se apegar a eles. Mesmo que pareça estranho, a observa­ção dos pensamentos que brotam – sem seguir o fluxo do pensamento – irá dissipar o pensamento por si mes­mo. Todas as vezes que se pegar pensando em algo, diga a si mesmo: “pensando”. Outra forma de tirar nossa identificação com os pensamentos é imaginá-los como nuvens no céu e pensar que elas estão se afastando.

9. SEM TÉDIO
Assim que se sentir confortável com a meditação, passe a re­alizar a prática de formas mais criativas, trabalhando com di­ferentes abordagens de forma a nunca deixá-la tediosa. Por exemplo, na prática de respiração, pense: “Eu estou sendo res­pirado pelo Universo”, ou inspire e expire pensando: “Deixe ir” ou “Eu sou amado”. Pode também praticar seu mantra com o foco na energia que sua vibração cria no corpo.
Quando começar a ir mais a fundo na prática diária, começa­rá a perceber que há mudanças energéticas em cada meditação. Pode sentir a energia mais fraca, ou sentir como se estivesse afundando, pegando no sono ou em um estado mais profundo que o sono. Pode sentir algo no topo da cabeça ou algum formi­gamento na pele. Pode vir a sentir alguma expansão no peito. Podem aparecer cores ou visões de pessoas ou lugares.
Essas alterações são convites para ir para um nível mais profundo, indo para um estado mais expansivo do interior. Quando isso ocorrer, veja se consegue ir com o fluxo, indo além da técnica e passando a um estado meditativo. É aí que a meditação deixa de ser uma rotina e passa a ser uma forma criativa de exploração do interior.

10. A ARTE DO EQUILÍBRIO
Uma ou duas vezes por semana, tente alguma coisa diferente da prática diária. Pode ser uma das práticas que aprendeu durante um retiro, por exemplo. Isso faz com que possamos explorar par­tes que acabam não sendo trabalhadas durante a prática regular.

11. MANTENDO O RITMO
Algumas vezes você vivenciará momentos de grande prazer e profundidade na prática de meditação. Em outros dias pode­rá vivenciar momentos de tédio e cansaço. Mantenha-se firme lembrando que a meditação é uma jornada que nos leva a dife­rentes níveis de emoções. Isso faz parte do processo de purifi­cação da meditação – um processo que às vezes é chamado de “fogueira samskárica”, durante o qual nossas tendências arraiga­das surgem para então serem liberadas. Deixe que elas apare­çam sem se ater a elas ou sem tentar removê-las. Camadas de “quinquilharias” estão sendo removidas de seu sistema!
As pessoas que mais se beneficiam da meditação são aquelas fiéis à prá­tica seja qual for o momento da vida. Percebem que quando nos sentamos para meditar, estamos promovendo um encontro entre a mente e o coração. O campo de exploração de quem medita é o próprio ser. No entanto, a grande surpresa que o espera nessa jornada é o reconhecimento de que, por meio do conhecimento do ser interior, finalmente conheceremos a plenitude, a vastidão do Ser universal. Todo mundo sabe que a gota está contida no oceano, escreveu o po­eta Kabir, mas poucos sabem que o oceano está contido na gota. Continue meditando, e você descobrirá.

*Sally Kempton é jornalista, professora de filosofia meditação e autora de O Coração da Meditação. Para saber mais: sallykempton.com

Esse artigo foi publicado originalmente na Revista Yoga Journal, em setembro de 2010. A tradução é de Cacau Peres. Clique aqui para ver o artigo original.